De acordo com o Advogado Willian Padoan Lenhardt, do Rego Barros advogados associados, para vôos internacionais, desde 2017, prevalecem as regras dos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Os danos ocorridos em viagens aéreas internacionais devem ser analisados de acordo com regras de direito internacional e não pela aplicação das regras nacionais de direito do consumidor. O tema tem gerado dúvidas e discussão no cotidiano pessoal e de trabalho de pessoas que necessitam viajar de avião até o seu destino.

Em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal – STF fixou o entendimento sobre a aplicação das Convenções Internacionais de Varsóvia e Montreal, que vigoram no País através do Decreto 5.910/2006, para resolver litígios envolvendo atrasos de vôo, extravio de bagagem e danos pessoais em viagens aéreas internacionais. Os recursos selecionados para julgamento do tema estavam aguardando desde 2014 a definição pelo STF, cujo entendimento deve ser observado em todo o Brasil.

A tese foi fixada a partir do julgamento de dois recursos: em um deles (RE 636331), a Air France reclamou contra Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, considerando a existência de relação de consumo entre as partes, determinou que a reparação pelo extravio de bagagem deveria obedecer os termos do CDC; no outro recurso (ARE 766618), a Air Canadá reclamou contra Acórdão da justiça paulista que aplicou o CDC e condenou a empresa ao pagamento de R$ 6 mil a título de indenização por danos morais a uma passageira, por atraso de 12 horas em vôo internacional.

O STF prestigiou a argumentação das companhias aéreas e negou vigência à Lei brasileira no caso de vôos internacionais, decretando, em suma, que o CDC não é o único mandamento legal que deve ser analisado no caso, devendo-se obedecer também os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A decisão altera significativamente a disciplina da reparação dos danos aos consumidores, chamando a atenção de milhões de passageiros (em 2019, foram cerca de 10 milhões de passageiros transportados no país em vôos internacionais, segundo a ANAC).

Para os especialistas, esse entendimento causou retrocesso e desrespeito à Lei nacional, fazendo parte de um movimento de enfraquecimento dos direitos dos consumidores e contribuindo à precarização dos serviços.

Dentre as mudanças mais importantes, houve limitação das indenizações por danos materiais em cerca de R$ 4,5 mil por perda ou extravio de bagagem e cerca R$ 18,4 mil por atraso de vôo, considerando-se valores aproximados na conversão do Direito Especial de Saque – DES (valor de referência utilizado nas Convenções) para o Real.

Para se ver mais protegido nesse sentido, o advogado aconselha o consumidor a optar pela Declaração Especial de Valor, uma espécie de seguro que pode garantir a reparação para além dos limites legais. Mas, alerta que além de pagar a mais por isso, as companhias aéreas estão limitando sua responsabilidade também quanto a esses valores excedentes, valendo a leitura atenta das disposições contratuais de cada companhia aérea para não tomar sustos no decorrer da viajem.

O CDC prestigia a reparação integral do passageiro (artigo 6º, inciso VI), o que acabou sendo rechaçado no caso dos vôos internacionais, considerando-se os interesses das companhias aéreas em detrimento de eventuais danos decorrentes da má prestação dos serviços. Vale dizer, inclusive, que a decisão é totalmente contrária ao entendimento anterior do próprio STF, já que o histórico pacífico da Corte era, e em outros casos ainda é, no sentido de o arbitramento da indenização não se limitar a um valor predeterminado, vinculando-se à integral reparação dos danos causados.

Por outro lado, as Convenções Internacionais abrem uma brecha para interpretação desse ponto em seu artigo 22, item 6, prestigiando a Lei nacional dos países signatários ao prever a possibilidade de o Tribunal local conceder indenização que compreenda todo o prejuízo causado ao consumidor que busque reparação. Entende-se, com isso, que a indenização pode ser fixada de acordo com a efetiva demonstração dos danos, muito embora o texto normativo seja confuso e oportunize entendimentos conflitantes.

Outro ponto que vem causando dúvidas é a questão da reparação por dano moral, que restou omissa nas Convenções e no Decreto brasileiro. Houve até mesmo notícias de que os passageiros não seriam mais indenizados nesse aspecto, o que é equivocado.

O Dr. Willian Padoan Lenhardt, advogado do escritório Rego Barros Advogados Associados, afirma que a aplicação das regras de direito internacional, em detrimento do Código de Defesa do Consumidor – CDC, não retira os direitos do consumidor, apenas impõe limites quantitativos.

Tem-se entendido que como as Convenções não trataram expressamente do tema, aplica-se a lei brasileira nesse aspecto, em especial o CDC e os parâmetros de atendimento previstos hoje na Resolução nº 400/2016 da ANAC. Importante notar que não há vinculação, neste ponto, aos valores citados a título de reparação dos danos materiais, o que amplia a segurança dos consumidores quanto à reparação dos danos pessoais. De qualquer forma, ainda não há critérios seguros para o arbitramento do valor da reparação, vinculando o consumidor ao entendimento de cada Magistrado.

Por fim, não houve alteração da competência para processamento da ação de reparação. Diferentemente do que também se ouviu em algumas notícias, o consumidor não terá que ir ao local de partida ou destino em outro país para acionar a Companhia Aérea, podendo fazê-lo em seu domicílio local. O cuidado aqui é com o prazo prescricional para buscar a reparação, fixado em 2 (dois) anos, contados a partir da entrega efetiva da bagagem ou carga, do término da viagem (chegada ao destino) ou do conhecimento do fato (no caso de atraso ou cancelamento de vôo), como definido também na Convenção de Montreal, diferentemente do prazo de 5 (cinco) anos previsto no CDC.